Perda de imunidade pode ter causado 2ª onda de infecções em Manaus
Artigo publicado na revista científica The Lancet afirma que há pelo menos quatro hipóteses, não excludentes entre si, para o forte recrudescimento da pandemia de covid-19 em Manaus e que, se uma das causas for a perda de proteção imunológica de pessoas que já se contaminaram, cenários semelhantes à da capital do Amazonas podem ser esperados em outras regiões do país.
Além da perda de imunidade dos contaminados, o artigo cita a possibilidade de a imunidade de rebanho não ter sido atingida em Manaus, de as mutações do Sars-CoV-2 burlarem a proteção imunológica criada por contaminações anteriores e das novas variantes do vírus terem uma taxa de transmissão maior.
Sob o título "Ressurgência da covid-19 em Manaus, a despeito da alta soroprevalência", o trabalho reúne 23 pesquisadores liderados pela imunologista Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), uma das responsáveis pelo sequenciamento do coronavírus no Brasil.
O artigo da Lancet lembra um estudo que mostrou que 76% da população de Manaus tinha anticorpos contra o novo coronavírus. Com isso, a capital do Amazonas teria atingido a imunidade de rebanho, calculada entre 60% e 70%.
Hipóteses estudadas pelos cientistas
Com uma taxa de prevalência de 76%, o forte aumento no número de admissões nos hospitais de Manaus em janeiro foi algo inesperado, diz o artigo. Depois da grande epidemia de abril de 2020, as hospitalizações permaneceram baixas e estáveis em Manaus de maio a novembro, apesar do relaxamento das medidas de controle da covid-19 no período.
Assim, a primeira hipótese para o ressurgimento da covid-19 em Manaus é que a taxa de contaminação da população possa ter sido superestimada, embora deva ter ficado acima de 50%, o que já garantiria uma boa imunidade coletiva. "Nesse cenário, o ressurgimento poderia ser explicado por uma maior interação entre pessoas infectadas e suscetíveis durante o mês de dezembro", diz o artigo.
Uma segunda hipótese é a perda de proteção imunológica das pessoas que já tinham contraído o vírus. A imunidade delas pode ter começado a diminuir em dezembro. Estudo feito entre profissionais de saúde do Reino Unido mostra que a reinfecção pelo coronavírus é incomum até seis meses após a primeira contaminação. Em Manaus, a maioria das infecções ocorreu entre 7 e 8 meses antes do ressurgimento em janeiro.
Ainda assim, afirmam os pesquisadores no artigo, a diminuição da imunidade por si só não seria capaz de explicar totalmente o recente ressurgimento da covid-19 na cidade.
Uma terceira hipótese é que as novas linhagens do vírus Sars-CoV-2 poderiam burlar a proteção imunológica provocada por infecções anteriores. A quarta suposição aponta que as novas linhagens de coronavírus podem ter maior poder de transmissão do que as que estavam circulando no início da pandemia.
Uma dessas linhagens, chamada P1, foi descoberta primeiro em Manaus e um estudo preliminar mostrou que ela estava presente em 42% das amostras de genoma obtidos de casos de covid-19 em dezembro. Essa mesma variante não tinha aparecido nas amostras colhidas entre março e novembro.
Até agora pouco se sabe sobre a transmissibilidade dessa linhagem surgida em Manaus, mas ela compartilha várias mutações similares a variantes que circulam no Reino Unido e na África, que têm alta taxa de transmissão.
É necessário, diz o artigo, o rastreamento e a investigação dessas novas variantes para entender melhor como elas são transmitidas. Elas podem levar ao ressurgimento de casos em locais por onde estão circulando, se forem mais contagiosas.
"Por este motivo, características genéticas, imunológicas, clínicas e epidemiológicas dessas variantes precisam ser investigadas rapidamente. Por outro lado, se o ressurgimento em Manaus for devido à queda da proteção imunológica, então, cenários semelhantes de ressurgimento devem ser esperados em outros locais", diz o artigo.
Determinar a eficácia de vacinas existentes contra essas variantes também é uma medida "crucial", afirma o artigo, que ainda alerta que os protocolos e os resultados dos estudos precisam ser coordenados e rapidamente compartilhados onde quer que as variantes surjam e se espalhem.